terça-feira, 31 de julho de 2007

Num átimo

"Lembra? Ah, foi tão bom. Que saudade! Nossa, você não mudou nada!"

Era uma simples reunião de amigos. Tá certo, não se viam há muito tempo. Nada mais natural que o papo soasse a naftalina. A inconstância desses encontros faziam-nos especiais. Estava implícito: entrelaçariam suas lembranças, mas, ao ultrapassar a soleira da porta, já na madrugada fria, retornariam a suas vidas, que em nada lembravam aquele passado.

Vale mesmo por aquele instante que suspende o correr do tempo e deixa olhares emocionados se cruzarem e vozes embargadas declamar poesias há muito esquecidas.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

JJ 3054

Top Top. Toma! Engulam! A câmera flagra os gestos obscenos. Autoridades comemoram: a causa do acidente foi problema mecânico no avião. Ufa, que alívio. Oba! Um a zero no round entre situação e oposição.
Enquanto isso na aviação civil...entrega de obras incompletas, superfaturadas, baixos salários dos controladores, equipamentos sucateados e/ou obsoletos, overbooking, superlotação da malha aérea, horas extras abusivas dos pilotos para evitar novas contratações.
Tudo como dantes no quartel de Abrantes.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Chico

Todo dia ela faz tudo sempre igual. Acorda, escova os dentes, engole os remédios com o café. Folheia o jornal. Põe a roupa sem olhar o espelho. Dá o beijo pontual no marido. Vai pro escritório. Passa o dia com raiva do mundo. Volta pra casa. Joga-se no sofá. As imagens da TV são hipnóticas. Marido chega e debruça-se para o beijo pontual. Jantam. Hipnotizam-se. Vão pra cama.
Hoje o mar está vermelho. A barriga inchada e seios doloridos. Tensão. Levanta, escova os dentes. Põe a roupa e olha pro espelho. Dá um sorriso. Sai sem se despedir.

Nunca mais se ouviu falar dela.

terça-feira, 10 de julho de 2007

Sem espaço

Foi deitar pra ver se acalmava seu coração. A cabeça em ebulição parecia conter milhões de pensamentos, que a levavam a sensações das mais variadas. E elas disputavam entre si o espaço para dominá-la.
A cama não ajudou em nada. Levantou, vestiu um roupão e foi remexer na velha caixa abandonada no quartinho do quintal.
Meteu a mão entre os papéis, pegou o caderno vermelho e abriu: lá estava o texto que escrevera 35 anos antes, numa dessas noites quando a cabeça parecia explodir e os pensamentos e sensações faziam seu coração pulsar a 195 bpm.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Cartão de crédito

Ela chegava a ser considerada "pão-dura". Para incredulidade de algumas amigas, recusava roupas oferecidas pelo marido – “Não preciso disso agora”.
A fatura do cartão continha apenas o que para ela era estritamente necessário: assinatura do jornal, seguro de vida e a taxa por perda ou roubo.
Um dia, resolveu tomar um moderador de apetite. Precisava perder alguns quilos. O médico alertara - ficaria um pouco eufórica.
O marido nem acreditou. Sob efeito do medicamento, comprou um carro zero.
Afundou-se em dívidas.