Empatia, sem dó
Sabe quando você lê algo e pensa: “Exatamente o que eu
queria dizer”? Foi assim com o artigo do
cientista político João Pereira Coutinho, intitulado Espelho, espelho meu
(Folha, Ilustrada, 16/3/21, B14).
Semanas antes, senti um constrangimento que não consegui compreender
bem então, quando soube que uma tradutora holandesa premiada foi impedida de
traduzir o poema The Hill We Climb, lido pela poeta negra Amanda Gorman na
posse de Joe Biden. Qual a “credencial” que lhe faltava? A cor da pele. Marieke
Rijneveld, a “cancelada”, é branca.
Pereira Coutinho não só traduziu meu constrangimento como me
fez refletir bastante, remetendo-me a debates sobre lugar de fala, apropriação
cultural e o nem sempre bem aplicado “politicamente correto”.
Longe de dar qualquer suporte aos que chamam de mimimi a
luta pela igualdade social, o politicamente correto, e de tempos chatos os
avanços obtidos pelas minorias! Bem longe dessa turma: vade retro.
Creio, sim, como bem assinalou o articulista da Folha, que parte
desse (equivocado) ativismo contemporâneo recusa a possibilidade de empatia.
Será que não estamos impedindo o florescimento desse exercício incrível de
perceber a situação vivida por outra pessoa, mesmo não tendo seu “lugar de
fala”?
Graças aos avanços dos movimentos, somos seres em
desconstrução de machismo, racismo e toda sorte de preconceitos que nos
contaminaram desde o berço e ao longo dos anos até que tomássemos consciência
que somos humanos, iguais, com as nossas lindas diferenças.
Permitir que façamos essa lição diária de interagir com o
sentimento do outro, de nos colocarmos em seu lugar, é progredir enquanto civilização.
Chega de nos fecharmos em nossas bolhas. Chega de retrocessos.
Não. Nada de “cada um no seu quadrado” e de sentir prazer
apenas conversando com nosso espelho. Vamos entender que vivemos num mundo de
uma diversidade cultural riquíssima e que só com empatia criaremos as pontes
necessárias para uma fraternidade real.
Empatia, sim. Não o olhar de compaixão, de pena com misto de
repugnância de quem se julga acima do outro.
Ou acreditamos nessas possibilidades e fazemos esses
difíceis exercícios de saber se colocar verdadeiramente no lugar do outro ou
teremos de desistir de vez do que se convencionou chamar humanidade.