terça-feira, 16 de março de 2021

Empatia, sem dó

 

Empatia, sem dó


Sabe quando você lê algo e pensa: “Exatamente o que eu queria dizer”? Foi assim com o  artigo do cientista político João Pereira Coutinho, intitulado Espelho, espelho meu (Folha, Ilustrada, 16/3/21, B14).

Semanas antes, senti um constrangimento que não consegui compreender bem então, quando soube que uma tradutora holandesa premiada foi impedida de traduzir o poema The Hill We Climb, lido pela poeta negra Amanda Gorman na posse de Joe Biden. Qual a “credencial” que lhe faltava? A cor da pele. Marieke Rijneveld, a “cancelada”, é branca.

Pereira Coutinho não só traduziu meu constrangimento como me fez refletir bastante, remetendo-me a debates sobre lugar de fala, apropriação cultural e o nem sempre bem aplicado “politicamente correto”.

Longe de dar qualquer suporte aos que chamam de mimimi a luta pela igualdade social, o politicamente correto, e de tempos chatos os avanços obtidos pelas minorias! Bem longe dessa turma: vade retro.

Creio, sim, como bem assinalou o articulista da Folha, que parte desse (equivocado) ativismo contemporâneo recusa a possibilidade de empatia. Será que não estamos impedindo o florescimento desse exercício incrível de perceber a situação vivida por outra pessoa, mesmo não tendo seu “lugar de fala”?

Graças aos avanços dos movimentos, somos seres em desconstrução de machismo, racismo e toda sorte de preconceitos que nos contaminaram desde o berço e ao longo dos anos até que tomássemos consciência que somos humanos, iguais, com as nossas lindas diferenças.

Permitir que façamos essa lição diária de interagir com o sentimento do outro, de nos colocarmos em seu lugar, é progredir enquanto civilização. Chega de nos fecharmos em nossas bolhas. Chega de retrocessos.

Não. Nada de “cada um no seu quadrado” e de sentir prazer apenas conversando com nosso espelho. Vamos entender que vivemos num mundo de uma diversidade cultural riquíssima e que só com empatia criaremos as pontes necessárias para uma fraternidade real.

Empatia, sim. Não o olhar de compaixão, de pena com misto de repugnância de quem se julga acima do outro.

Ou acreditamos nessas possibilidades e fazemos esses difíceis exercícios de saber se colocar verdadeiramente no lugar do outro ou teremos de desistir de vez do que se convencionou chamar humanidade.