segunda-feira, 21 de março de 2011

Jureia livre!

Saudade de Zwarg e sua incansável luta na defesa ambiental. Medo de Fukushima.
Transcrevo aqui matéria de Maneco, em A Tribuna de 20 de março, relembrando a luta contra as usinas na Jureia (os mais jovens nem sabem que esse plano existiu). Uma pontinha de orgulho por ter contribuido um pouco com essa causa.

A TRIBUNA Domingo 20 março de 2011

Natureza de Peruíbe
escapa de usina nuclear


Ambientalista luta contra o Governo Militar
MANUEL ALVES FERNANDES

DA REDAÇÃO
Quando, em abril de 1978, o ecologista e pacifista Ernesto Zwarg Jr passou a encabeçar um movimento contrário à construção de duas usinas nucleares na Jureia, foi considerado louco e visionário. A loucura estava em enfrentar "com resistência de Ghandi", o governo militar que, desde 1964, mantinha uma disputa com a Argentina para fabricar a primeira bomba atômica. E a pecha de visionário, por temer que eventuais vazamentos radioativos viessem a afetar a vida de milhares de moradores do Litoral, e destruíssem a imensa estação ecológica entre Peruíbe e Iguape. A intenção de construir as usinas foi confirmada em 5 de junho de 1980, data em que ironicamente se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente. Manchete de A Tribuna, nesse dia: "Em Peruíbe, duas usinas atômicas". Na página 2, de editoriais, charge de José Carlos Silvares mostrava um anúncio fúnebre, sintetizando os protestos da comunidade.
JORNAL CONTRA AS USINAS
E o editorial de Clóvis Galvão firmava a posição contrária que se manteria, até o abandono da ideia, cinco anos depois: "Ainda desta vez, como se ainda estivéssemos em tempos de arbítrio, não houve sensibilidade dos governantes em relação aos sentimentos de oposição ao projeto, que partiram das mais legítimas fontes de opinião pública, sem que se possa dizer, neste caso, que não houve a atuação de manipuladores de qualquer espécie". A reprovação do tom do editorial se justificava: "em quase todos os municípios do litoral os próprios moradores fizeram passeatas demonstrando o repúdio ao programa nuclear e a sua ojeriza diante da ameaça tão indesejável como a de uma usina nuclear". As usinas seriam construídas nas proximidades da Ponta do Paranapuã-Guaçu, em uma das últimas reservas, quase virgens, do Litoral Paulista. Contra a implantação das usinas atômicas, levantou-se a voz de Ernesto Zwarg Jr, vereador em Itanhaém e presidente da Sociedade de Ecologia, Paisagismo e Humanismo de Itanhaém. Em emocionado pronunciamento, presenciado por este repórter, em 5 de junho de 1980, na Câmara de Cubatão, Zwarg assinalou: "Meu coração sangra, choro por essa vida animal que em breve será dizimada, se nós não protestarmos contra essa arbitrariedade". E foi com o lema de um grito cantado:"Êh Paranapuã formoso", que ele começou a resistência e a campanha que se espalhou pelo país e exterior, levada por meios de comunicação, no primeiro momento, a partir de reportagens e denúncias de A Tribuna (elaboradas por Oscar Barbosa, Marcio Calves, Katia Giulietti, Tadeu Ferreira, com registros fotográficos de Araquém Alcântara, João Vieira, João Vieira Júnior e Adalberto Marques)e A Tribuna do Ribeira (Clovis Rodolpho de Vasconcelos, fotos de Sergio Vaz). E mais tarde, pelo Jornal da Tarde e Estado de S.Paulo. Essa linha combativa dos Zwarg (envolvendo diretamente seus cinco filhos), amigos e simpatizantes ecológicos, acabou por contribuir para fazer o governo suspender, por três anos, em janeiro de 1983, a construção das usinas em Iguape, por dificuldades financeiras. "A Jureia está salva": manchete de A Tribuna do Ribeira, em 8 de janeiro de 1983".O povo comemorou nas ruas. A ordem de suspender teria vindo do Fundo Monetário Internacional (FMI). Com a volta do regime democrático, a ideia foi abandonada.

Local e reação
As usinas nucleares seriam construídas pelo Governo Federal nas proximidades da Ponta do Paranapuã-Guaçu, em uma das últimas reservas, quase virgens, do Litoral Paulista
Moradores da região e ambientalistas fazem protestos

Argentina preocupava militares
Em 1976, o governo militar disputava uma corrida nuclear com a Argentina, para ver quem fabricaria a primeira bomba atômica. Por isso, decidiu implantar as usinas nucleares na Juréia. Essa informação se tornou pública em 6 de abril de 2004, em entrevista dada pelo ambientalista Paulo Nogueira-Neto (criador da Secretaria Nacional de Meio Ambiente, o primeiro órgão ambiental do Brasil) ao site do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (www.pnud.org.br). "Os militares me disseram: tem uma boa notícia para você. Nós vamos fazer um programa nuclear na Juréia e vamos fazer as usinas nucleares dentro de estações ecológicas. Aí eu pus a mão na cabeça, internamente, e disse: São coisas diferentes, não vai dar certo. Eles disseram que tinha que ser daquele jeito e pronto. Felizmente, o Brasil e a Argentina entraram em acordo a tempo e acabaram com a história de bomba. Então, nós conseguimos convencê-los a ficar mais três meses. Esse foi o tempo necessário para o Franco Montoro, então governador de São Paulo, decretar as desapropriações". O que teria levado os militares a sonhar com o desenvolvimento da energia nuclear no Brasil foi basicamente a pretensão de ter bombas nucleares e de assegurar o abastecimento energético. Hoje, o Brasil é signatário do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, desde de 1998. Mas já era signatário do Tratado de Tlatelolco desde 1968. A Constituição de 1988 determina que o país renuncie ao desenvolvimento de armas nucleares, embora tenha capacidade de construí-las. Segundo a Nuclebras, dando prosseguimento ao acordo com a Alemanha, o Brasil está construindo a usina-nuclear de Angra III e projeta mais 14 usinas-nucleares, principalmente no Nordeste. Cientistas como o físico nuclear José Goldemberg, consideram 'equivocado' o programa nuclear brasileiro e falam da necessidade de se adotar novas alternativas energéticas. Na sexta-feira, segundo a Agência Brasil, ativistas do Greenpeace fizeram ato em frente ao Palácio do Planalto pedindo à presidenta Dilma Rousseff o fim do uso da energia nuclear no país. Um grupo subiu a rampa do Planalto e abriu uma faixa com a frase "A energia que mata. Dilma, nuclear não". Com base no que aconteceu na Usina Nuclear de Fukushima, no Japão, os manifestantes pedem a suspensão da construção da Usina Nuclear Angra 3, no Rio de Janeiro, e a paralisação dos investimentos em energia nuclear. "Pedimos que a presidenta Dilma tome um posicionamento mais ágil em relação à energia nuclear", disse Ricardo Baitelo, responsável pela campanha de energia do Greenpeace.
Quem foi Zwarg
Gnomo da Jureia.
Poeta, jornalista, professor, escritor, político honesto, compositor, autor do Hino de Santos, Ernesto Zwarg Júnior nasceu em julho de 1925, em Piracicaba. E faleceu em Itanhaém, aos 84 anos. Era uma figura de aparência frágil que, no dizer do frei franciscano José Alamiro Andrade Silva, fazia "lembrar São Francisco de Assis". Mas Zwarg, seguidor de Gandhi, se via de outra forma: "sou um gnomo verde da Jureia".