sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Multidão de solitários

Com certeza, ao final, ele dirá que foi um dos melhores shows de sua vida e a plateia, a mais calorosa que já teve. Decidi que não farei parte dela.

Meu primeiro impulso foi correr atrás da pré-venda do show do meu preferido dos ex-Beatles. Mas há anos não ajo mais por impulso. Paro pra pensar.

Pensei bem e me vi na pista mais privilegiada, no gargarejo, babando por ele. Sim, porque se era pra ir, era pra detonar: pagar R$ 700,00 e ficar na pista prime.

Olhei para os lados e vi cabeças brancas e outras carecas balançando seus corpos, fechando os olhos, pedindo pra serem beliscados pra terem certeza de que não estavam sonhando.

Me vi olhando pra ele, com a impressão que ele me via alí, piscava pra mim com aquela carinha de anjo. E eu chorando ao som de Yestarday e de Hey Jude.

Voltei no tempo e me vi aos 15, sonhando que estava num show dele. Paul me olhava. E se apaixonava perdidamente por mim. Tudo acontecia como nas fotonovelas que eu devorava.

Acordo em 2010 e vejo na Net as filas que se formam em Porto Alegre. Jovens, crianças, adultos, “meia-idade”, idosos. Com certeza, alí no meio, gente que vai se endividar, gastar o que não pode, comprometer suas contas pro resto do ano, em nome de quê? De algumas horas de um som forte, todo mundo cantando ao mesmo tempo, e de dizer pros amigos que esteve no show de Paul.

Vejo uma multidão de pessoas solitárias. Decidi que não farei parte dela. Ligo o som e ouço de forma bem mais perfeita da que ouviria no show, a voz única de Paul McCartney entoar os primeiros acordes de Eleanor Rigby: “Ah, look at all the lonely people. Ah, look at all the lonely people”.

domingo, 26 de setembro de 2010

Domingo de amores antigos

A chuva forte só reforçou a sua vontade de ficar largada, de moletom enorme, domingo inteiro vendo TV, sem assistir nada.
Dedo cansado de apertar o controle, zapeando pelos canais alternava imagens de filmes violentos a receitas culinárias e calouros mostrando sua desafinação a moças histéricas de programa de auditório. Nele se apresentava uma dessas bandas musicais de meninos bonitos, roupas coloridas, que se dizem de rock.
A cada hora, beliscava um paõzinho e uma fruta.

Valeu mesmo foi quando decidiu fuçar na estante e de uma das portas tirar a caixa de fotos. Reencontrou a face de algumas pessoas que, em diferentes épocas, fizeram-na feliz. E, por alguns minutos, reviveu o arrepio gostoso e a sensação única das paixões da juventude.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

They don't care about us

Sabe quando você está lendo um livro e, ao notar que está na última página, faz uma pausa porque não quer que acabe? Uma coisa estranha enche teu peito, uma sensação de que teus sentimentos não cabem dentro de você?

Senti isso ao começar a ver "This is It", os ensaios daquele que seria o último show de sua vida. Parei na terceira música. Desliguei a TV. Tive medo de passar mal de tanta emoção.

Aquele corpo parecia querer abrigar todos os movimentos e ritmos do mundo. Aquela voz, num solo inacreditável, numa interpretação pungente, era lancinante.

Minha relação com MJ sempre guardei só pra mim. Mexe com uma coisa guardada lá no fundo, uma tristeza sem fim por não ter me relacionado com a dança, quando ela falava tão alto dentro de mim. Assistindo o começo de "This Is It", vendo Michael parecer em transe, ao interpretar suas canções com a voz e o corpo, cheguei à conclusão de que o contentor era frágil demais pra tamanho conteúdo.

Definitivamente, Michael Jackson não era deste planeta.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Associando

Costa do Marfim, que me lembra
Marfim, que me lembra
Ivory, que me lembra
Ebony and Ivory, que me lembra
Paul McCartney, que me lembra
18 de Junho, que me lembra
Saramago morreu.

domingo, 30 de maio de 2010

Sensação

Como se o ano não tivesse começado. "Parada no ar, antes de mergulhar."
Escrevo ouvindo "My Love", com Paul, que me faz relembrar tantas coisas.
O livreto não saiu. Nenhum rabisco.
Para trás ficou a história do sufoco da enfermeira, tentando impedir-me de ver a paciente morta, na cama ao meu lado, no quarto que dividimos no hospital.
A saudade dói. "Saudade do que não aconteceu", como me disse Esmeraldo Tarquínio, ah, sedutor incorrigível.
Melhor ir dormir. Sufocar lembranças.
Tentar dissolver esta sensação de que tudo já foi.
Amanhã, se Deus quiser, a manhã me espera.
E vai valer a pena.
Sempre vale.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Stent

Não apenas um. Foram dois stents que caíram sobre minha cabeça neste início de ano. A bem da verdade, essas coisinhas de nome chique foram implantadas nas minhas coronárias que, tadinhas, estavam entupidas. Anjinhos me avisaram a tempo, segundo o Doctor, de evitar o que chamam de infarto fulminante. O aviso veio ao prestar atenção àquela dorzinha incômoda no braço esquerdo.

To preguiçosa e curtindo este descanso forçado. Mas tenho mais de 15 itens anotados durante a internação pra escrever sobre situações tragicômicas envolvendo relações humanas(?) dentro do hospital.

Quem sabe ao invés de posts neste blog, me animo a rabiscar um livreto tipo "reflexões de uma(im)paciente cardíaca" ?

BeijoKas!

sábado, 2 de janeiro de 2010

Novo ano

Queria tanto ter abraçado aquele cão de olhar pedinte que apareceu na sua porta.
Queria tanto ter distribuído entre os garis que desfilavam na sua rua os chocolates que devorava na caixa embrulhada de papel celofane.
Queria tanto ficar surda aos lamentos e impropérios que a mãe vociferava em plena véspera de Ano Novo.
Estava uma tensão só.
Cumpriu o ritual das sete ondas, mas desta vez não sentira a euforia de anos anteriores.
Mas abençoou-a a chuva na volta da praia, que pela primeira vez em décadas caiu sobre o séquito de homens e mulheres de branco.
Finalmente relaxou todos os músculos.