sexta-feira, 13 de julho de 2007

Chico

Todo dia ela faz tudo sempre igual. Acorda, escova os dentes, engole os remédios com o café. Folheia o jornal. Põe a roupa sem olhar o espelho. Dá o beijo pontual no marido. Vai pro escritório. Passa o dia com raiva do mundo. Volta pra casa. Joga-se no sofá. As imagens da TV são hipnóticas. Marido chega e debruça-se para o beijo pontual. Jantam. Hipnotizam-se. Vão pra cama.
Hoje o mar está vermelho. A barriga inchada e seios doloridos. Tensão. Levanta, escova os dentes. Põe a roupa e olha pro espelho. Dá um sorriso. Sai sem se despedir.

Nunca mais se ouviu falar dela.

2 comentários:

Eli Carlos Vieira disse...

A presença do “beijo pontual” no texto intriga...
A impressão que tenho é que essa ‘visão’ seria de uma vizinha do casal descrito em “Cotidiano”, de Chico - um contraste.

Legal mesmo seu texto, Kátia, daí eu fico tentando imaginar como e quando você o escreveu...

Uma letra de outra música me veio na cabeça, como que um complemento desse texto...
É “Maria Rosa”, do grande Lupicínio Rodrigues, que na voz de Elis Regina ganhou todo o sentimentalismo que a letra exigia da mulher que vive de recordações do passado:

“Seu nome é Maria Rosa, seu sobrenome Paixão
Os trapos de sua veste não é só necessidade
Cada um para ela representa uma saudade
Ou de um vestido de baile, ou de um presente talvez
Que algum dos seus apaixonados lhe fez
Quis certo dia Maria pôr a fantasia dos tempos passados
Essa mulher que outrora a tanta gente encantou
Nem um olhar teve agora, nem um sorriso encontrou
Então dos velhos vestidos que foram outrora sua predileção
Mandou fazer esta capa de recordação
Vocês, Marias de agora, amem somente uma vez
Pra que mais tarde essa capa não sirva em vocês”

Bjão Kátia!
:-]

Mariana Campos disse...

Kátia, estou adorando o blog!!! Parabéns!! beijos